Ações corporativas já vão bem além da oferta de terapia aos funcionários. Para a maioria das companhias, bem-estar é o aspecto mais importante dos programas de capital humano.
Para 78% das companhias brasileiras, o bem-estar é o aspecto mais
importante nos programas de capital humano. E saúde mental e emocional é
apontado como o principal problema dos funcionários, segundo Pesquisa Global de Bem-Estar 2022-2023. Este é o
cenário do mercado de trabalho após a pandemia da Covid-19, que deixou sequelas
nos ambientes corporativos.
A pandemia trouxe mais luz para a pauta, pois toda aquela experiência potencializou a exposição de fragilidades. As pessoas se mostraram mais vulneráveis. Resgatar o sentimento de autoestima e fortalecer o pertencimento delas passou a ser fundamental para que os ambientes se tornem mais harmoniosos e a produtividade possa retornar com menos desgaste emocional — explica o professor Cesar Lessa, coordenador geral do Curso de Gestão de Recursos Humanos da Estácio.
Após o apoio emergencial à saúde mental prestado de 2020 a
2022 — com oferta de terapia, por exemplo —, neste ano, as empresas
comprometidas com o bem-estar partem para ações mais amplas a fim de cuidar dos
colaboradores e melhorar o clima organizacional. E uma das novidades são as
Diretorias de Felicidade, como na Chilli Beans e na Heineken.
A gente pode aprender a ser feliz. Com a diretoria, desde janeiro, descontruímos a ideia de que felicidade é estar alegre o tempo todo, pois isto é tóxico. A gente abre a cabeça para pensar o que pode fazer no dia a dia para torná-lo melhor, levando embasamento científico, provocação e atividades baseadas na psicologia positiva aos colaboradores — explica Denize Savi, diretora de felicidade da empresa de óculos escuros e acessórios.
Um dos pontos centrais dessas diretorias têm sido levar os funcionários
a se engajarem mais entre si, baseadas em um estudo de Harvard sobre felicidade, desempenhado ao longo de
85 anos. “Relacionamentos positivos” foram apontados como os principais
motivadores de felicidade.
Em grupos de 40 pessoas por vez, todos os 300 colaboradores da sede de
Chilli Beans passam por seis encontros, de duas horas cada, promovidos pela
diretoria “Você tem amigos aqui?”, é uma das perguntas feitas, antes de
provocar os funcionários a convidarem quem ainda mal conhecem para um
cafezinho, almoço ou happy hour. Na cervejaria Heineken, desde maio, a
Diretoria de Felicidade forma líderes e 640 voluntários a serem Embaixadores da
Felicidade na empresa.
Uma das dinâmicas é para que reconheçam quem elas têm de confiança na
equipe e as razões para isso. Então as pessoas se expressam com palavras que
causam emoções positivas e quem ouve muitas vezes não imaginava tudo aquilo. É
um privilégio parar uma ou duas horas do trabalho para isso — diz Aline Mello,
gerente sênior de Saúde Corporativa.
O olhar positivo para as situações e a listagem do que lhes traz
felicidade são outros instrumentos apresentados para o autoconhecimento e
promoção da felicidade entre colaboradores das empresas.
Terapia durante a pandemia
Ainda segundo a pesquisa do Empregos.com.br, em dois anos, houve um
aumento de 49,4% no interesse das empresas em implantar ações de saúde e
bem-estar na rotina de seus colaboradores. Em acordo com este dado, o mestre em
mudança organizacional e consultor Joaquim Santini viu a demanda por seus
serviços crescer 50% na pandemia, principalmente no segundo ano. Ele atua em
construção de equipes, resolução de conflitos e promoção de relacionamentos
interpessoais.
É inegável que houve maior receptividade a esses serviços durante esse
período desafiador. O que motivou as empresas era a necessidade de resolver os
desafios no ambiente de trabalho que resultam em burnout, redução da
concentração, alta rotatividade, perda de talentos, conflitos geracionais e as
organizacionais, além da falta de colaboração e engajamento dessas pessoas —
avalia.
Alguns dos benefícios mais comuns, voltados à saúde mental de colaboradores, oferecidos pelas empresas durante a pandemia eram os que facilitavam o acesso à terapia. O Consórcio Magalu foi uma dessas representantes.
Durante a pandemia, foi feito um contrato com uma plataforma a fim de
oferecer acesso a profissionais de saúdes, como psicólogos, principalmente para
trabalhar questões de ansiedade que o momento acabava propiciando. Durante dois
anos, a gente ofereceu esse benefício 100% integral em até quatro consultas por
mês. Após os dois anos da pandemia, a empresa continua a custear uma consulta
por mês conta Andresa Ferreira, gerente corporativa de Pessoas.
Na empresa, cerca de 20% dos colaboradores já fizeram uso deste benefício — quando consideradas outras práticas voltadas a saúde mental, a participação chega a 70%.
A gente ainda sente uma resistência das pessoas em buscarem esse apoio
psicológico. Mas também recebemos muitos feedbacks de quem teve o primeiro
contato com terapia a partir do programa. E nas nossas pesquisas de clima, os
processos feitos durante a pandemia e pós-pandemia são citados pelos
colaboradores como forças da empresa.
Rafael Maia, analista de riscos do Consórcio Magalu, usufrui do benefício ainda.
A partir do convênio da empresa, tive meu primeiro contato com a
terapia. E tem feito bastante diferença na minha rotina: trouxe mudanças na
socialização, na família, relacionamentos e no trabalho. Ter esse tempo semanal
de escuta ativa faz diferença para aliviar a ansiedade e estar presente com
clareza mental no trabalho. E sinto que o ambiente da empresa ficou mais leve,
as pessoas buscaram melhoras com uma comunicação não violenta e mais empática —
relata.
Visão ampla do colaborador
De julho de 2021 a julho de 2022, oferecer sessão de terapia era a estratégia de 8,4% das empresas ainda. Mas na busca por oferecer qualidade de vida aos colaboradores, encarar a Saúde de forma integrada tornou-se primordial. O levantamento do Empregos.com.br mostra que eram oferecidos convênio médico (48,6%), desconto em academias (10%) e aulas de yoga (8,4%) como benefícios.
Na pandemia, a Adeste — fabricantes de matérias-primas secundárias para as indústrias de alimentação, saúde e nutrição animal — promoveu atividades que tinham como objetivo garantir momentos de paz e lazer para o quadro de funcionários. Mas as atividades seguem em 2023.
Momentos de descontração com receitas culinárias, encontros virtuais
com os times, aulas de yoga e meditação, tudo isso com o propósito de levar
qualidade de vida para eles — lista a diretora de Inovação Cristina Amorim.
Na empresa de meio de pagamentos Cielo, o programa “De bem com a vida” tem como uma das iniciativas o “Nutricionista in company”, que possibilita atendimento diariamente com a profissional, sem coparticipação para o colaborador. “Cada vez mais estudos comprovam a importância da alimentação equilibrada para a saúde mental, e os benefícios que pode causar: melhora da energia, do sono, da autoestima, de memória etc”, ressalta a empresa.
Na Amazon, o Programa de Assistência aos Funcionários possui ainda em seu escopo a possibilidade de consultas legais e financeiras aos colaboradores, expõe Ricardo Frias, líder de benefícios:
Os temas podem ir desde investimentos e como lidar com dívidas até a parte legal, a fim de entregar informações sobre ações judiciais.
Família também está nos planos
Para o professor Cesar Lessa, da Estácio, as empresas estão entendendo que as pessoas são seus principais ativos e, por isso, todos esses cuidados se tornaram mais presentes. Mas não só com eles.
Na Cielo, os dependentes de funcionários podem fazer terapia sem custos, recebem Gympass — que dá acesso a academias e estúdios —, e podem se associar gratuitamente ao Sesc, para atividades culturais. Na Amazon Brasil, o Programa de Assistência aos Funcionários tem um serviço de saúde mental adaptado a crianças e adolescentes tuteladas pelos seus funcionários.
Foi projetado para ajudar a enfrentarem problemas para dormir,
cyberbullying, preocupações com a imagem corporal ou desafios mais complexos,
como TDAH, depressão e ansiedade — diz Frias.
Os benefícios ampliados também são estratégicos para a atração e retenção de talentos.
Além de ser um cuidado social, cria um vínculo maior de relação afetiva e direta com outras pessoas influentes e importantes para aquele colaborador. Então ao mesmo tempo que a empresa cuida de todos, tem mais gente interessada que aquela relação do colaborador com a empresa se perpetue. Por isso, é um projeto interessante de retenção de talentos e, a médio prazo, pode ser uma excelente vantagem competitiva para a organização — ressalta o professor Lessa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe seus comentários, suas dúvidas e suas sugestões.