sábado, 30 de dezembro de 2023

Viver como um estoico

Ter ciência das limitações humanas serve de bússola para agirmos com sabedoria, coragem e razão

Convidado a dar uma aula inaugural na universidade de Stanford em 2005, Steve Jobs falou da ferramenta que vinha turbinando sua força criativa e inovadora: a morte. Com câncer, mas sempre inspirado, o fundador da Apple lembrou os calouros que a perspectiva da finitude da vida resgata a importância e a urgência de elegermos prioridades. A consciência de que o tempo – esse valioso recurso – se esgota ajuda-nos a valorizar o que realmente importa.

A mensagem de Jobs é profundamente estoica. Para o estoicismo – escola filosófica greco-romana nascida no século III a.C., e que se estende até o início da era cristã – o universo segue a ordem natural e racional que deveria seguir. Não há espaço para o caos ou o acaso – mesmo as adversidades, as dores e as doenças estão dentro da lógica universal. Sendo assim, a ação humana deve evitar a contaminação pelas paixões (a raiva, por exemplo), e apresentar-se serena e compreensiva frente aos acontecimentos, sejam eles bons ou ruins, fáceis ou difíceis.

A ideia não é ser conformista ou passivo, mas aceitar que boa parte da existência está fora do nosso controle. Por mais que sejamos cuidadosos, como evitar um acidente de trânsito ou uma enfermidade? É razoável esperar que nossa reputação nunca seja manchada? Marco Aurélio, imperador romano (dos bons!) que foi um grande seguidor do estoicismo, acreditava que a honra é uma condição externa, sujeita a críticas e julgamentos, e, portanto, incontrolável. A opinião alheia, assim como tantos outros eventos, nos escapa. Dizia Marco Aurélio: “não se sinta atingido e você não terá sido”. Isso não significa que podemos ser descuidados com nossa reputação, mas sim que nosso próprio julgamento é que deve dirigir nossas emoções – e essas devem ser marcadas pelo autocontrole e pela aceitação.

A compreensão madura e serena do imponderável abre um campo fértil de possibilidades. Pensemos nos desafios da vida corporativa: o que fazer em um ambiente de restrições que se apresenta aqui e agora? Que parte disso tudo está a meu alcance transformar e aprimorar? Que planos alternativos são viáveis dado o contexto? Como permanecer blindado contra uma demissão inesperada? O que esperar de meu futuro profissional? A escola estoica propõe uma espécie de “guia prático da resiliência” que pode ser útil para pessoas físicas e jurídicas. Ter ciência das limitações humanas serve de bússola para agirmos com sabedoria, coragem e razão. A conciliação com a realidade e seus truques nos motiva a escolher e agir melhor, pois renunciamos às idealizações que nos fazem perder tempo, energia e dinheiro.

Sêneca, filósofo romano que, curiosamente, foi preceptor de Nero e por este foi condenado a suicidar-se, apontava cinco posturas próprias do homem estoico: a serenidade frente ao sofrimento, ser corajoso frente ao inesperado, sempre esperar o resultado mais temido em qualquer situação, adotar o autocontrole para resistir ao pânico e ao pessimismo, e por fim, a sabedoria em reconhecer que tais posturas nos predispõem à felicidade.

É incrível a atualidade dessa filosofia quando recorre à resiliência para explicar a felicidade e sucesso. Na visão deles, somente ao nos sentirmos felizes com o que temos e com quem somos é que podemos ser bem-sucedidos. A felicidade seria, assim, a causa do sucesso, e não a consequência. Hoje sabemos que, de fato, o pensamento positivo influencia a produção de dopamina – confira os trabalhos de Shawn Achor – e isso contribui para elevar nossa performance e nosso estado interno de felicidade. O resto sim é resultante.

Sêneca dizia também que a vida toda é um aprender a morrer. Ainda complementaria dizendo que é também um aprender a perder com aceitação, e a vencer sem soberba. A Felicidade não é um ponto de chegada e assim considerá-la é praticamente desistir de vivenciá-la. A ansiedade, mal maior de nossos tempos, é desses sentimentos que tudo contamina sacando da jornada o seu sabor. Epitecto, filósofo romano que foi escravo praticamente por toda a sua vida, disse que nada de grandioso é criado repentinamente. Disciplina, propósito e autocontrole são as ferramentas certas para navegar na vida e nos negócios. Tente olhar o mundo com esses óculos.

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